terça-feira, 4 de maio de 2010

Trintão maduro procura jovens para relacionamento teatral

Ghost Writer: Raquel Nantes Tavares (matrícula 76821-8)

Nascido Teatro Amador Produções Artísticas – hoje leva somente a sigla, TAPA, como nome – no Rio de Janeiro, em meados de 1979, naturalizado paulista em 1986, o grupo completa 30 anos e busca diversificar um pouco nos relacionamentos. Não que ele queira trair o público que formou até aqui. Nada disso. Digamos que ele busca um relacionamento aberto, que inclua também a juventude de agora.

O TAPA consolidou-se na vertente realista de teatro, pelo sistema de dramaturgia do russo Constantin Stanislavski (1863-1938), que enfatiza o realismo psicológico e a vivência de emoções autênticas pelos atores.


Eduardo Tolentino de Araújo é um dos fundadores e diretor do grupo, que escreveu a peça Apenas um Conto de Fadas, direcionado ao público infantil, que marcou a estréia do grupo. A partir da década de 1980, o TAPA passa a encenar criações mais consistentes, como Viúva, porém honesta de Nelson Rodrigues, em 1983. No ano seguinte, abre o Festival de Teatro Brasileiro, com encenações de autores nacionais, como Martins Pena (O Noviço) e Artur Azevedo (A Casa de Orates).

Nesses 30 anos, o grupo TAPA foi, e ainda é, o grande nome do realismo teatral e referência do teatro nacional. Recebeu mais de 60 prêmios, dentre eles Moliére, Shell, Mambembe/Funarte, APCA e APETESP.

Porém, a realidade não é mais a mesma. Os avanços tecnológicos na área das comunicações nos posiciona em um cenário frenético. Não há tempo para raciocinar sobre as mudanças que ocorrem a nossa volta, porque os avanços, daqui a um segundo, já estarão ultrapassados. Os jovens não têm paciência de esperar sentados o desenrolar de uma cena e um diálogo profundo sobre as contrariedades da vida. Eles simplesmente querem tudo em 140 caracteres.

O teatro, e o TAPA também entra nesse balaio, se vê em um dilema. O público que cativou até aqui está envelhecendo. O “teatrão” de quase três horas já não atrai. Assim como um casamento desgastado, o teatro se transformou em um diálogo entre amigos: quem assiste é aquele que entende de teatro, atores, diretores e críticos.

Na tentativa de se reinventar, o TAPA arrisca dar um mergulho na pós-modernidade líquida de Zygmund Bauman, onde nada é o que é por muito tempo. Como então apreender a realidade em que vivemos, se ela se transforma, se nós, os personagens, guardamos uma identidade líquida também, que se molda e não é única, mas múltipla? Como mostrar isso no palco?

Um primeiro salto nas águas revoltas do contemporâneo é o texto “Cloaca”, da holandesa Maria Goos. A comédia dramática de 105 minutos (há de se dar importância ao tempo, hoje em dia cada vez mais veloz e fragmentado) revela a história de quatro amigos quarentões em situações decisivas. Pieter (Tony Giusti), um funcionário público gay, rouba obras de arte da prefeitura. Tom (Dalton Vigh) é um advogado viciado em cocaína e tenta trabalhar com publicidade. Jan (André Garolli), político com chances de virar ministro, está em crise no casamento, enquanto o diretor de teatro Marten (Brian Penido Ross) vive o estresse de uma estréia. Na peça, os quatro se vêem em situações que testam os limites entre amizade e egoísmo. A montagem estreou em agosto do ano passado e fica em cartaz até o dia 13 de junho no Teatro Imprensa.

Para a comemoração das três décadas de vida, o TAPA preparou em janeiro desse ano a releitura de diversas peças encenadas em anos anteriores. A partir de agosto, porém, novos textos farão parte do repertório. O grupo apresentará três peças baseadas em contos do autor italiano Luigi Pirandello, compondo o Festival Pirandello.


Alguns podem dizer que o TAPA é “teatrão” demais para avançar nesses tempos incertos. O grupo fez uma opção pelo teatro realista, isso não se nega. Mas algo em comum com os nossos tempos se revela em seu engajamento despretensioso, por mais paradoxal que essa construção possa parecer. É que seu engajamento não está necessariamente ligado a opções políticas. O fazer teatral, a estética e o divertimento (por que não?), por si só, já são valorizados. E a juventude de hoje não é a mesma que viveu a abertura política do final da década de 1970. As escolhas políticas não estão assim tão escancaradas e na verdade, uma vertente partidária não difere muito das outras. Somos consumidores antes de sermos cidadãos.

Por trás da aparência homogeneizada do jeans e da coca-cola, no entanto, uma realidade está em ebulição. O TAPA sabe disso e é assim que quer construir um novo relacionamento: em meio a algumas risadas e um tanto de lágrimas, quer fazer o público refletir um pouco mais sobre o mundo que o rodeia ou aquele que está dentro dele mesmo. Não é um sisudo “seremos felizes para sempre”, mas um bem intencionado “quer ficar comigo?”.

4 comentários:

Administrador disse...

O texto é fantástico, não é um artigo sobre os trinta anos de TAPA, mas um 'contrato nupcial' com o futuro do grupo.
Gostei muito do desenrolar e percebi claramente a pesquisa que a Raquel fez sobre o grupo, pegando as pinceladas que eu fiz e 'dando um google' como costumamos brincar...
Informações precisas e acertadas, o texto mistura crítica e dados.
O único pedido que eu faria, é citar que a peça "Vestir os nus" de Pirandello já estreou no interior e marca mais uma 'maneira' de comemorar os trinta.. trinta e um... anos do Grupo.

Administrador disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Administrador disse...

Um comentário geral: falta legenda às fotos. A foto da Raquel combina com a brincadeira do título mas a visualização está péssima, a foto é da montagem de "A moratória"
E a foto no artigo do Éder é de uma montagem da "Mandrágora" com um elenco relativamente antigo, porém, talvez tenha sido usado por aparecer o Rodrigo Lombardi na foto...

Anônimo disse...

sobre as legendas...o programa não permite adicioná-las, em alguns casos, o fiz abaixo do texto.